À conversa com Inês Torcato

Entrevistamos a Inês Torcato, uma das designers participantes na última edição do Portugal Fashion.

 

Qual o balanço que faz do Portugal Fashion deste ano?

Apesar de todas as circunstâncias e restrições forçosamente aplicadas por estarmos a lidar com a pandemia covid-19, o balanço foi muito positivo. Existiu algum vazio de sentimento no momento, a falta de público e de algum calor humano, mas tudo isto foi ultrapassado por uma boa organização que fez tudo o que estava ao seu alcance para tornar o evento o mais próximo possível de um normal, mantendo todas as normas de segurança. Penso até que acabamos por conseguir transmitir algum sentimento de esperança em relação ao futuro.

 

Qual foi a grande inspiração para esta coleção?

Esta colecção teve uma origem diferente de todas as anteriores. Nesta edição do Portugal Fashion apresentei o meu novo projecto, a marca Torcato, e a inspiração da coleção que foi apresentada em vídeo e físicamente, foi o próprio conceito da marca. A Torcato é uma marca que quer chegar a toda a gente, estar ao acesso de todos. É uma marca mais inclusiva, abraça as diferenças, mais sustentável e próxima do consumidor. No fundo representa tudo aquilo que eu sempre quis transmitir, que a moda existe como uma ferramenta que nos permite aproximar-mo-nos da nossa identidade e comunicá-la ao mundo, porque aquilo que vestimos é a primeira imagem que os outros têm de nós. E sentirmo-nos bem na nossa pele deveria estar ao acesso de todos independentemente do corpo, tamanhos, género, etnia, etc. É também uma marca que quer ser o mais transparente possível quanto à origem dos seus produtos e processos de fabrico, como tentativa de redução do impacto ambiental da indústria, e que valoriza o produto nacional e local acima de qualquer outro.

 

Qual o motivo da escolha dos tecidos usados?

A seleção dos materiais é uma das partes mais importantes na criação de uma colecção. Para mim a qualidade é fundamental no meu trabalho, quer nos materiais como na confeção. Trabalhar com tecidos de boa qualidade é muito importante, e é este o primeiro motivo e aquele que me motiva a procura pela Troficolor. Nesta colecção em concreto escolhi alguns denims duros, para criar uma linguagem crua e clean, e também orgânicos, na busca por um mundo mais sustentável.

 

Considera que foram três dias de Portugal Fashion muito diferentes dos anos anteriores? Sentiram-se, efetivamente, os efeitos da pandemia?

Sim, eu diria que se sentiu muito o efeito. Não tanto a parte da ausência de público, porque essa só sinto no momento da própria apresentação, mas principalmente em bastidores, onde estava muito menos gente do que é habitual. O espaço era muito mais amplo, muito distanciamento social e a já habitual obrigatoriedade do uso de máscaras. Todas estas circunstâncias, apesar de muito necessárias neste momento, criam quase um distanciamento humano e emocional. Por outro lado, sentia-se uma força coletiva e uma vontade muito grande de fazer acontecer independentemente de tudo o resto.

 

Sentiu, de algum modo, que esta fase pela qual atravessamos afetou a concretização desta sua coleção? Que impacto teve a pandemia no seu trabalho e dinâmica  criativa?

Neste caso a pandemia teve um impacto muito grande no meu trabalho porque acabou por ser a força motivadora do novo passo que acabei por dar. Foi o período de confinamento que me trouxe mais clareza quanto à nova marca Torcato, que já andava em projecto há algum tempo. Também foi nesse período que tive a experiência, enquanto consumidora, das dificuldades que nos são apresentadas quando tentamos comprar roupa online. Foram todas essas dificuldades técnicas que me levaram a querer criar uma solução para isto na nova marca. Quanto a dificuldades de produção, quase não senti isso em todo o processo da colecção, precisamente porque já procurava exclusivamente materiais nacionais e produção local, e sinto que a maior dificuldade terá sido para encomendas ou produção internacional.

 

Quais as perspectivas para o futuro?

Para o meu futuro profissional espero ter capacidade para erguer este novo projecto sem descuidar os que tinha até agora, espero também que apareçam novas oportunidades e desafios, e tenho já algumas surpresas preparadas que ainda não posso desvendar. Para o sector têxtil, e também para o nosso país, espero que o pós-pandemia traga uma nova consciência colectiva de amor pelo próximo e que isso se traduza numa maior confiança naquilo que é nacional, quer em termos de design, como em termos de produto ou produção.

Espero que traga também uma nova consciência do mundo em que vivemos e que isto se traduza em processos mais sustentáveis.

 

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A Inês Torcato é uma das criadoras consagradas que utiliza os tecidos Troficolor nas suas coleções.

 

BIO

Inês Torcato, natural do Porto, termina em 2014 a licenciatura em Design de Moda pela ESAD Matosinhos. A frequência anterior na E.S. Soares dos Reis e na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto têm uma grande influência na linguagem estética e experimental do seu trabalho. Em 2013 vence o 2º prémio no concurso "Nespresso Designers Contest”. No ano seguinte vence o primeiro prémio do concurso "L’Aiguille D’Or” pelo Atelier des Createurs e, no mesmo ano, expõe a coleção no Espaço Bloom do Portugal Fashion. Em 2015 vence o prémio de "Melhor Coleção” atribuído pelo público, e o de "Melhor Par de Calçado Feminino” no concurso AcrobActic com a coleção "Ícaro” que é convidada, mais tarde, a expor na loja Anabela Baldaque em Lisboa. Em 2016 é uma das vencedoras do Concurso Bloom pelo Portugal Fashion, ficando classificada em 2º lugar e vence também o prémio Vogue atribuído pelo púbico no Porto Fashion Film Festival com o filme "Icarus".